Quem quer ser um nanoempreendedor?

Essa nova figura jurídica foi criada para contemplar pequenos empresários independentes que vendem produtos ou serviços, os chamados porta a porta. No Senado, porém, foi permitido o enquadramento de motoristas de aplicativos, o que atropelou projeto que regulamenta a profissão e ação no STF

Quem quer ser um nanoempreendedor?A criação da nova figura jurídica conhecida como nanoempreendedor na regulamentação da primeira etapa da reforma tributária sobre o consumo (Lei Complementar 214/2025) e a previsão para o enquadramento de motoristas de aplicativos reacende uma disputa antiga entre esses trabalhadores e as plataformas digitais de transporte.

No âmbito jurídico, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) devem decidir pela existência ou não de vínculo empregatício entre motoristas e plataformas de transporte quando analisarem o Recurso Extraordinário 1446336, apresentado pela Uber.

O tema teve repercussão geral reconhecida, ou seja, a tese fixada em julgamento deverá ser aplicada a todos os casos em tramitação no Judiciário.

Já no Congresso, o PLP 12/2024 está pronto para ser votado no plenário da Câmara. A proposta regulamenta o trabalho de motoristas de aplicativos e cria a categoria de “trabalhador autônomo por plataforma”, que prevê carga máxima de 12 horas diárias em cada aplicativo, remuneração mínima por hora trabalhada e pagamento de contribuição ao INSS.

A DISCUSSÃO NO CONGRESSO

O termo nanoempreendedor surgiu em audiência pública na Câmara dos Deputados para abarcar os pequenos empreendedores independentes que vendem produtos ou serviços, os chamados porta a porta, e faturam até 50% do limite do MEI (microempreendedor individual), ou seja, R$ 40,5 mil por ano.

A ideia da nova figura jurídica, isenta do pagamento dos novos impostos criados pela reforma, foi incorporada ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados (PLP 68). Na votação no Senado, entretanto, foi aberta a possibilidade de os motoristas de aplicativos – o que inclui entregadores de bens e serviços – se inscreverem como nanoempreendedores, mas com um limite de faturamento bem maior e a opção de recolherem o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).

Pelo texto aprovado pelos senadores, no caso de prestador de transporte privado individual de passageiros ou entrega de bens por plataformas digitais será considerada como receita bruta 25% do valor bruto mensal recebido. “Ou seja, para ser enquadrado como nanoempreendedor, o motorista de aplicativo pode faturar até R$ 162 mil por ano, ou R$ 13,5 mil mensais, pois só vai oferecer à tributação 25% desse valor”, explica Flávio Perez, consultor tributário da Orcose Contabilidade.

A RAIZ DO PROBLEMA

Para o presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos no Estado de São Paulo (Stattesp), Leandro da Cruz Medeiros, a iniciativa de incluir motoristas de aplicativos como nanoempreendedores só interessa às plataformas digitais e esvazia a discussão em curso no Congresso sobre a regulamentação da atividade.

“Já havia um interesse das plataformas no enquadramento como MEI e agora criaram outra categoria jurídica, que também não trará vantagens aos motoristas”, critica Medeiros.

No Brasil, calcula o sindicalista, atuam 1,8 milhão de motoristas por aplicativos, sendo 600 mil no estado de São Paulo e 254 mil na Capital paulista. Deste total, estima-se que apenas 5% são MEIs.

De acordo com Medeiros, a baixa adesão ocorre porque são mínimas as chances de êxito para os motoristas nas ações judiciais envolvendo plataformas digitais quando existe o enquadramento como MEI. Isso porque os juízes, em geral, entendem que se trata de uma relação de negócios, e não trabalhista.

No estado de São Paulo tramitam cerca de 20 mil processos judiciais contra as plataformas envolvendo desligamentos de motoristas. Por mês, segundo o sindicalista, são excluídos cerca de 18 mil motoristas dessas plataformas.

“Essa discussão já estava sendo equacionada com o PLP 12/2024. Não há a necessidade de criar uma outra figura jurídica para esses trabalhadores, que não podem ser considerados empreendedores”, diz.

Para o diretor-executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), André Porto, no entanto, a novidade representa um avanço no tratamento tributário concedido a motoristas e entregadores que prestam serviço intermediado por plataformas no âmbito da regulamentação da reforma tributária.

“Ao estabelecer a possibilidade de enquadramento na categoria de nanoempreendedor, o Congresso Nacional e o Poder Executivo reconheceram o caráter inovador deste novo formato de trabalho, que não se enquadra nas relações tradicionais de vínculo de emprego”, afirma o dirigente.

 

Fonte: Diário do Comércio